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  • Foto do escritorMarcio Leite

O pensar sistêmico e o design do futuro

Como as tecnologias emergentes e sua rápida globalização, nos coloca num contexto de complexidade, onde os sistemas são interconectados, interdependentes, não-lineares e muito mais voláteis do que em qualquer outro momento da nossa curta história da industrialização.


Por Márcio Fábio Leite. Publicado originalmente em 9 de Setembro de 2021, blog da página pessoal [www.marciofabioleite.com].


 




O pensamento sistêmico e as novas lógicas trazidas pela hiper digitalização não são novos, se olharmos por exemplo para conceitos extraídos de antigas filosofias e religiões orientais, como o Budismo. Essas filosofias e maneiras de perceber o entorno, trazem em sua essência a visão de causa e efeito acerca de uma existência coletiva, interconectada e interdependente.



Os sistemas complexos estão ao nosso redor e é muito fácil encontrar exemplos que ilustram as teorias da complexidade, como auto-organização, sistemas não lineares, teoria dos sistemas em rede e dos sistemas adaptativos.


Na natureza, o micélio são extensões em filamentos dos fungos, os quais só vemos na superfície na forma de cogumelos. Mas ele se espalha por grandes áreas no subterrâneo, conectando-se às árvores e criando uma extensa rede interdependente, entre árvores e fungos, fornecendo nutrientes e comunicando informações vitais às plantas, funcionando como uma internet viva das árvores.




A organização social e estrutura física de colônias de insetos, como formigas e cupins, também se dá em rede, guiados por algo que cientistas afirmam ser uma espécie de algoritmo comportamental. Segundo eles, este algoritmo não existe em uma única formiga, é o comportamento da colônia como um todo. É aquilo que provoca todos aqueles insetos "trabalhadores" a se comportarem como um único super-organismo trabalhando com um senso e propósito comuns.




A visão sistêmica aparece também na compreensão e na representação visual do modelo evolutivo concebido por Charles Darwin no século XIX. As ramificações e variações em um ramo de uma mesma espécie, origina novos ramos que se subdividem por vezes exponencialmente a partir de características e informações genéticas em comum.




Aplicada à engenharia de transportes, o pensamento sistêmico está no desenho e modelo da malha do sistema ferroviário surgido na Inglaterra e multiplicado pelo India, Africa, Oriente médio, Américas e toda europa no século XIX e início do século XX. Aprimoradas por Isambard Brunel, essas redes ferroviárias conectadas a diferentes sistemas de transporte de cargas, como os canais de distribuição de carvão para as fábricas e negócios da época, formavam uma malha co-dependente, concebida em um modelo replicável e escalável.




Bitolas, sistemas de fundição, montagem, construção e armazenamento, faziam parte desse modelo de engenharia, exportado pela mesma Great Western Company, a qual trouxe a linha de ferro para diversas regiões do Brasil, facilitando o escoamento das produções de café e outras riquezas, definindo inclusive o desenho e planejamento de diversos municípios, sistemas que emergiram em decorrência desses entroncamentos ferroviários. Como a minha cidade natal, Cruzeiro, no Vale do Paraíba, em São Paulo.




Essa é a mesma lógica sistêmica das redes de distribuição elétrica, que possibilitaram a eletrificação e iluminação das cidades e consequentemente a popularização e comercialização em larga escala da lâmpada incandescente de Thomas Edson, impulsionando os negócios de grandes empresas, como a Westinghouse e a General Electrics.




O pensamento do design sistêmico, aparece no desenho e planejamento de soluções de transporte urbano integrado, como o projeto de Jaime Lerner para a cidade de Curitiba, nos anos 90. Os eixos, com paradas e estações “tubo”, de superfície, conectam as linhas circulares a um sistema maior, com ônibus mais longos, os bi-articulados, que rodam em vias rápidas com canaletas exclusivas. O sistema ativou a circulação interbairros e promoveu novos fluxos de integração em pontos chave da cidade, a partir de eixos, estações e bolsões de baldeação entre linhas, superpondo-se e conectando-se a sistemas mais simples já existentes.




Outra característica dos sistemas interconectados é a possibilidade de codificação de dados para transferência de informações. Alan Turing, ficou conhecido por desvendar o código da máquina Enigma, usada pelos alemães na segunda guerra mundial para transmitir mensagens no combate. Contudo sua grande criação foi o Automatic Computer Engine e o conceito da "Máquina de Turing", um precursor dos circuitos inteligentes, um sistema que poderia ler e calcular qualquer função algorítmica, tal qual nos atuais computadores.




Outro cientista relacionado aos fundamento do pensamento sistêmico é Paul Baran. Ele foi um premiado e reconhecido pesquisador, cujas descobertas foram pioneiras e essenciais na formulação da internet. Na década de 60, ele teorizou sobre os modelos de sistemas, centralizados, descentralizados e distribuídos, o que permitiu formular como “fatiar e empacotar” dados digitais em pequenos blocos de informação, facilitando a transferência entre computadores e a tornando mais segura.




Essa lógica estrutural, de terminais interconectados a centrais de distribuição de dados, é a mesma que nos anos 2000 levou à criação e popularização do sistema Napster, a primeira plataforma que conectava computadores de usuários em rede, para troca de arquivos de música, fragmentando esses arquivos de dados entre diversos usuários e os re-distribuindo, via um servidor central.




Esse modelo em pouco tempo evoluiu para um modelo descentralizado, mas “peer-to-peer", usuário-para-usuário, o que tornou viável as primeiras redes sociais, como o ORKUT, que interconectava usuários e permitia que eles se agrupassem em diversos clusters com outros usuários, em comunidades e grupos, de acordo com interesses ou temáticas em comum.




Mas o emaranhado dos sistemas complexos voláteis e os fluxo de grandes volumes de informação, ficam muito mais evidentes em representações visuais, como aquelas criadas pelo cientista de dados Martin Wattemberg, exposta desde 2012 no museu de arte MoMa de NY. Ele usou do National Digital Forecast Database para criar visualizações da complexidade do fluxo de ventos, sua velocidade e força, sobre a superfície do território norte americano. Tal qual a big data representada pelo cientista Chris Harrison em mapas, essas visualizações nos dão uma dimensão de fluxos e flutuações de informações, materializando as redes complexa de dados.




A percepção de amplitude de sistemas e o ponto de vista do observador é também clara na visão do macro e do micro, provocado pelo filme "The Power Of Ten", concebido pelo casal de designers norte americanos Charles e Ray Eames. Nesse video, a visão externa do individuo posicionado fora do universo, ou muito próximo das células e genes contidos na pele, nos dá a percepção de escala e limites dos sistemas.


No trabalho de design de móveis, eles também conceberam uma enorme inovação na ordenação sistêmica de produção. Eles projetaram produtos com peças de encaixe facilmente desmontáveis e assim, subverteram a linha de produção, extendendo a etapa de montagem para a casa dos consumidores, eliminando custos de pessoal e otimizando espaço reduzindo a volumetria de estocagem dos produtos e ampliando o conceito de sistema de produção e montagem industrial.




Da mesma forma, se pensamos nos modelos de serviço, aprimorados desde os anos 80 no período de globalização e expansão de franquias e indústria norte americana, é a visão sistêmica - by design - que possibilitou o crescimento em escala e replicação do modelo de negócios pelo mundo, reproduzindo e ampliando a malha de produção de insumos, confecção de produtos, empacotamento, comunicação e venda, até um modelo de outsourcing descentralizado e distribuído, com produção e assembling remotos.




Neste contexto, também a percepção das conseqüências, causa e efeito em cadeia, as quais lidamos hoje como resultado da globalização - transformações e impactos econômicos, ambientais, questões de geopolítica, sociais e tecnológicas provocados por esses modelos sistêmicos complexos.


Conforme elencados pelo Forum Econômico Mundial já em 2013 e conforme reformulado nos últimos anos, em decorrência da rápida manifestação dos impactos ambientais e sociais-econômicos pelo mundo, com o desenvolvimento da economia digital e a aceleração na digitalização de serviços, os riscos e fragilidades sistêmicas se ampliam. São esperados quebras e maior divisão social, crises climáticas e energéticas iminentes, pandemias e doenças infecciosas recorrentes, desigualdade tecnológica, falhas em ciber-segurança, instabilidade e estagnação prolongada, exigindo uma tomada de transformação da economia global e dos setores produtivos e de consumo.


Não é preciso lembrar que, embora os modelos e plataformas do mercado estejam evoluindo, pouco amadurecemos nas questões ambientais, políticas e sociais advindas dos problemas complexos decorrentes da industrialização.


Se compararmos, as condições desumanas de trabalho na indústria e na exploração de carvão nas minas da Inglaterra e Estados Unidos no século XIX, em nada se diferem das linhas de montagem de dispositivos móveis como celulares e computadores e as condições nas minas de cobalto, silício e outros tech-minerals nos dias de hoje.



Todas as questões emergentes dos modelos e sistemas criados no século dezenove, como organização para o trabalho, sistemas de produção, linhas de montagem e distribuição, desigualdade social e paradigmas éticos e morais, são constantemente revisitados ao longo do século vinte.


Atualmente no século vinte e um, essas questões reaparecem, como a dependência de recursos minerais findáveis, de complexa extração, os quais submetem pessoas a condições degradas de trabalho e sobrevivência.


No âmbito sócio-econômico, questões como precarização do trabalho, aumento do volume de horas disponibilizadas ao trabalhado, esgotamento psíquico e intelectual emergem como consequência de sistemas saturados, concentrados em grandes centros urbanos.


Na nova economia digital, o e-money, as cripto-moedas, bitcoin, blockchains, tolkens não fungíveis (NFT), e-wallets, marketplaces, peer-to-peer transactions, open banks fazem parte dos sistemas e novas relações comerciais do mercado que, embora modernizadas em modelos de sistemas distribuídos, operam porém numa mesma lógica de geração de valor e acúmulo de riquezas baseada em escassez dos sistemas centralizados.



Estamos nos tornando uma sociedade que supostamente opera em rede, com uma economia baseada em fluxo de informação, onde os dados são o novo petróleo, mas aparentemente ignorando toda complexidade de questões e desafios que emergem dessas dinâmicas.



Estamos evoluindo na arquitetura dos sistemas e nas novas mentalidades para relações digitais, mas aparentemente não estamos avaliando em profundidade os impactos e transformações nos ecossistemas; nas relações humanas e suas expressões culturais; nas instituições, sejam elas sociais (igreja, escola, família), políticas (o Estado, democracia, constituição jurídica, modelos eleitorais) ou econômicas (comércio, bancos, moeda, fundos sociais).



Vale lembrar que uma sociedade organizada ao redor de inovações tecnológicas, como o automóvel, gera impactos sistêmicos não só na produção e refino de insumos e combustíveis e suas conseqüências político e ambientais; mas nos sistemas de produção e pátios industriais de montadoras globalizadas; além de desafios na organização social e cultural na vida em grandes cidades.



Nesse sentido, uma visão mais ampla dos sistemas e suas complexidades passa a ser determinante para o sucesso de empresas e seus desejos por inovação.


É crucial entender não só o valor do crescimento econômico e lucro a partir de inovações, mas também o impacto sócio-ambiental de suas cadeias de produção, desenvolvendo e propondo dinâmicas sustentáveis entre macro e micro sistemas, refletindo em uma evolução em legislação e normas, mas acima de tudo humanizando processos e trazendo o pensamento crítico, intuitivo, inclusivo e criativo para o primeiro plano na construção de sistemas digitais que impactarão um coletivo muito maior do que apenas as partes diretamente envolvidas.



 

Palestra





 

Fontes e referências














































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